De acordo com Renato Lima, presidente-geral da Sociedade São Vicente de Paulo, o processo de canonização de Frederico Ozanam se encontra em estágio avançado: “O Conselho Geral Internacional, por nós presidido, não parou um minuto sequer nas tratativas de avançar neste tema, nem durante a pandemia, pois a canonização de Ozanam é uma prioridade para nós. Em 2019, o Tribunal Eclesiástico de Mariana (MG) abriu um processo e sua conclusão foi bem rápida, em apenas 11 meses de trabalho e oitivas das testemunhas. Em outubro de 2020, tive a felicidade de levar, pessoalmente, ao Vaticano, os documentos relativos ao possível segundo milagre atribuído a Ozanam”.
Renato Lima esclarece que os documentos, relatórios médicos e laudos sobre o caso permanecem em análise pela Congregação para a Causa dos Santos, até o presente momento: "Ozanam é prova viva de que um leigo pode alcançar a santidade aqui na Terra. Do fundo do meu coração, digo que está muito perto: peço a todos que sigam rezando pela canonização de Ozanam”.
Padre Vinícius Augusto Teixeira, CM, vice-postulador da Comissão pela Canonização do bem-aventurado Antonio-Frederico Ozanam concedeu entrevista ao Boletim Brasileiro, da Sociedade São Vicente de Paulo, em 23/10/2018. Neste Dia de Ozanam, publicamos aqui a entrevista na íntegra, já que a mesma permanece contundente e atual.
Antonio Frederico Ozanam foi beatificado em 1997. Há mais de 20 anos, os vicentinos esperam a Canonização. O que tem de novidade no processo?
Padre Vinícius – A novidade mais importante é, sem dúvida, a irradiação sempre maior da pessoa de Antonio Frederico Ozanam, seu perfil humano e espiritual de leigo comprometido com seu Batismo, realizado em sua vocação matrimonial, coerente na vivência dos valores cristãos, apaixonado pela vida, sensível em face do sofrimento humano, empenhado na transformação de uma sociedade desigual. Um modelo de santidade de impressionante atualidade, altamente inspirador a quem deseja percorrer as sendas da caridade, no seguimento de Jesus Cristo.
Outra novidade diz respeito aos procedimentos adotados na análise de um suposto milagre, ocorrido na cidade de Conselheiro Lafaiete, Arquidiocese de Mariana (MG), no ano de 2014. Trata-se da graça obtida em favor de um nascituro, hoje com 4 anos de idade, cuja calota craniana não havia se formado no tempo previsto, o que terminaria por configurar um caso de anencefalia. Os familiares, particularmente a mãe (agora frequentando uma Conferência Vicentina), mostram-se muito convictos e agradecidos pela intercessão do Beato Frederico Ozanam, a quem invocaram com sincera confiança, contando com a solidariedade de amigos e membros de uma Conferência. Toda a família tem colaborado gentilmente para os encaminhamentos do Processo.
Por que o Processo tem sido tão demorado?
Padre Vinícius – Atualmente, o Processo segue seu percurso normal. Ao longo dos anos, desde que a Causa foi aberta (15 de março de 1925), muito foi feito para que a luminosa figura de Frederico Ozanam pudesse ser melhor conhecida na Igreja: ampla pesquisa histórica para composição de sua biografia, cuidadosa análise de seus numerosos escritos, reconhecimento oficial do elevado grau das virtudes cristãs em sua vida, difusão de seu maravilhoso testemunho de fé e caridade, base sobre a qual se assenta sua fama de santidade.
Muitas pessoas, sobretudo membros da Família Vicentina, atraídas pelo exemplo de Ozanam, começaram a invocar sua intercessão junto de Deus, confiando-lhe suas intenções e necessidades. E as graças foram abundantes. Uma delas, uma cura, alcançada aqui no Brasil, na cidade de Niterói (RJ), em 1926, depois de devidamente examinada, constituiu-se no milagre necessário à beatificação. Antes da beatificação, porém, houve um longo período de estagnação do processo, tanto é verdade que o milagre ocorrido em 1926 só foi reconhecido em 1996. A solene cerimônia de beatificação foi celebrada a 22 de agosto de 1997, na Catedral Notre-Dame de Paris, pelo Papa João Paulo II. De lá para cá, muitos outros favores celestes foram recebidos e comunicados.
Hoje, como dissemos, a Causa vem seguindo os trâmites habituais, contando com a longa experiência e o vigoroso esforço de Padre Giuseppe Guerra, Postulador Geral da Congregação da Missão, e a dedicação generosa dos membros do Conselho Internacional da SSVP.
Quais as etapas de um Processo de Canonização?
Padre Vinícius – Talvez seja interessante recordar aqui os títulos oficiais dados às pessoas que viveram e morreram em conceito de santidade e das quais se faz o Processo canônico. Apenas iniciada a Causa, o fiel em questão recebe o título de Servo de Deus. Depois da promulgação do Decreto sobre a heroicidade de suas virtudes ou de seu martírio, passa a ser chamado Venerável. Tal título foi dado a Frederico Ozanam no dia 6 de junho de 1993.
A Beatificação é a etapa intermediária, por meio da qual o Papa autoriza o culto público do novo Beato, restringindo-o, porém, a determinados lugares e grupos. No caso do Beato Ozanam, seu culto se estende ao âmbito de toda a SSVP, da qual foi um dos principais fundadores. Antes da Beatificação, porém, a menos que se trate de um martírio, pede-se a comprovação de um milagre, ou seja, uma intervenção de Deus, humana e cientificamente inexplicável, obtida mediante a invocação do Venerável. Uma obra da amorosa onipotência divina, que sirva de confirmação para o processo realizado até o momento. Na cerimônia de Beatificação, inserida nos ritos iniciais de uma celebração eucarística, dá-se a leitura da Carta Apostólica, assinada pelo Papa, na qual, depois de um breve perfil biográfico-espiritual, se declara solenemente que, doravante, o Venerável Servo de Deus poderá ser chamado Beato, justamente por ter vivido de modo firme e constante o espírito das bem-aventuranças. Na continuação, indica-se a data de sua comemoração litúrgica, preferencialmente a data da morte ou o “dies natalis”, dia do nascimento para a vida eterna. Em se tratando de Ozanam, a data definida foi 9 de setembro, uma vez que o dia precedente, dia de seu falecimento, coincide com a Festa da Natividade de Nossa Senhora.
Depois da Beatificação, pede-se a comprovação de um novo milagre, um novo selo de Deus para a Causa, inclusive quando se trata de um mártir. Como na fase anterior, o processo de análise se inicia na diocese em que se deu o suposto milagre, seguindo depois para o órgão competente do Vaticano, a Congregação para as Causas dos Santos. Promulgado o decreto sobre o milagre, o Papa convoca um Consistório Ordinário, durante o qual confirma o parecer dos Cardeais e Bispos e anuncia a data da Canonização. Esta, com efeito, é o ato pelo qual o Papa declara definitivamente que um fiel viveu exemplarmente o Evangelho e se encontra na glória eterna da Trindade, podendo interceder em nosso favor e ser venerado por toda a Igreja como Santo.
O que falta para que a Canonização de Frederico Ozanam aconteça?
Padre Vinícius – No momento, estamos aguardando a instalação do tribunal arquidiocesano que investigará mais cuidadosamente o suposto milagre ocorrido em Conselheiro Lafaiete, de modo a testificar o caráter inexplicável da cura obtida. Assim, será possível verificar se a graça alcançada preenche todos os requisitos canônicos, a ponto de ser reconhecida como o milagre necessário à Canonização. Para isso, já foram reunidos laudos médicos a respeito do caso e de sua evolução, bem como levantada uma lista de testemunhas a serem ouvidas em depoimento juramentado. Depois dessa investigação, realizada na própria Arquidiocese de Mariana, o dossiê será enviado à Santa Sé para outros confrontos e submetido à análise de peritos. Por fim, o Santo Padre convocará o Consistório e fixará a data da Canonização.
De que forma os vicentinos brasileiros podem contribuir com o processo de canonização neste momento?
Padre Vinícius – O mais importante é conhecer cada vez mais e melhor a pessoa do Beato Frederico Ozanam, sua experiência de fé, seu testemunho de vida, sua paixão pela verdade e pela justiça, seu espírito de caridade, sua compaixão para com os Pobres, seu sentido de pertença à Igreja, sua visão cristã do ser humano e do mundo. Realmente, chama a atenção a maturidade alcançada por Ozanam nos 40 anos de sua breve existência. Maturidade que se exprime em sua inabalável confiança na Providência, em sua retidão de caráter e grandeza de alma, em seu amor à família, em sua capacidade de fazer amigos, na vastidão de sua cultura, em sua sensatez diante das convulsões políticas de seu tempo, em sua serenidade face ao sofrimento e à morte. Para conhecê-lo, nada melhor do que a leitura atenta de suas cartas, tão ricas em humanidade e espiritualidade, bem como de publicações afins, como suas biografias. Recentemente, foi traduzida no Brasil uma preciosa síntese do itinerário de santidade percorrido pelo Beato: Orar 15 dias com Antônio Frederico Ozanam, disponível no Conselho Nacional da SSVP.
Outra maneira de aproveitar bem o Processo de Canonização é rezar e refletir sobre o legado deixado por Ozanam, valendo-se das reuniões, encontros e retiros da SSVP. Assim, os Confrades e Consócias poderão encontrar em seu insigne fundador uma inspiração permanente e um forte encorajamento no seguimento de Cristo, no ministério da caridade, na busca da santidade, na vida de comunhão com Deus e com os irmãos, um belo estímulo para o protagonismo dos leigos na Igreja e na sociedade.
Por fim, invocar a eficaz intercessão do Beato Ozanam, rezando a oração em vista de sua Canonização e confiando-lhe intenções e anseios, certos de que, lá do Céu, graças à comunhão dos santos, ele acompanha os passos daqueles que levam em frente sua obra de amor e serviço aos Pobres.
O senhor acredita que a Canonização acontecerá quando?
Padre Vinícius – Não há como prever quando se realizará a cerimônia de Canonização. Aguardemos com paciência. E repito: aproveitemos para aprofundar a herança de Frederico Ozanam e invocar sua intercessão, de modo a trilhar o caminho de santidade e caridade que ele percorreu com tanta elegância e firmeza.
O Brasil é o maior país vicentino do mundo. Tem alguma chance de a solenidade de Canonização ser em solo brasileiro?
Padre Vinícius – Isso é bastante improvável. As Canonizações costumam ser celebradas em Roma, com o intuito de universalizar a figura do Beato e evidenciar a riqueza de seu testemunho como patrimônio de toda a Igreja, não apenas do lugar em que ele viveu ou da instituição por ele fundada ou do grupo ao qual pertenceu. O perfume da santidade se expande além do tempo e do espaço. As cerimônias de Canonização só acontecem fora de Roma em circunstâncias muito particulares, como, por exemplo, uma viagem apostólica do Papa ao país onde um Beato viveu e morreu. Foi o que aconteceu aqui no Brasil, quando da Canonização de Santo Antônio de Santana Galvão (São Paulo, 2007).
Nos últimos tempos, sobretudo a partir do pontificado de Bento XVI, as Beatificações vêm sendo celebradas preferencialmente nas dioceses de origem dos Veneráveis, onde os mesmos poderão receber o culto a eles devido. Trata-se também de uma maneira de dizer que ali, dentro daquela cultura e daquele ambiente, o Evangelho foi vivido com fidelidade e a semente da santidade germinou, produzindo um fruto maduro e desabrochando em bela flor.
Qual a principal mensagem que a vida de Frederico Ozanam tem a nos oferecer?
Padre Vinícius – Os que já visitaram a capela onde se encontra o túmulo do Beato Ozanam, em Paris, certamente, não deixaram de contemplar o amplo afresco pintado na parede de fundo. Uma bela reprodução da parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,25-37), história com a qual o Senhor Jesus descreve o itinerário do amor misericordioso, feito de proximidade, compaixão e cuidado. Ali, naquele afresco, o samaritano tem as feições do próprio Frederico Ozanam, inclinado sobre o pobre machucado, com os olhos fixos em seu rosto sofrido, oferecendo-lhe todo seu desvelo, amparando-o em suas necessidades. O bom samaritano da humanidade é Cristo, que derrama sobre todos o bálsamo da misericórdia do Pai, como diz Santo Agostinho. Identificado com Jesus Cristo, a quem contemplava na fé e cujos passos seguia na caridade, e reconhecendo-o nos menores dos irmãos (cf. Mt 25,40), Ozanam foi capaz de derramar sobre as feridas dos Pobres de seu tempo – feridas físicas, morais, sociais, religiosas – o bálsamo de uma compaixão ardente e operosa, traduzida de muitas maneiras, na genialidade de seus gestos, palavras e iniciativas. Esta é a estrada de santidade que ele percorreu e deixou aberta para seus sucessores, os membros da SSVP: a estrada do amor recebido de Cristo, aprendido na escola de São Vicente, amor que não se confunde com estratégia ideológica, amor, isto sim, que se faz doação e serviço, que jamais instrumentaliza e humilha, porque visa restaurar, engrandecer e promover àqueles a quem se dirige. Certa vez, em sua atividade de professor de Direito, Ozanam fez referência a esta passagem do evangelho, realçando a relação entre caridade e justiça, tão marcante em seu pensamento e em sua atuação: “A caridade é o Samaritano que deita óleo nas chagas do viajante atacado. Cabe à justiça prevenir os ataques”.
Em sua recente Exortação sobre o chamado à santidade, o Papa Francisco nos lembrou que, diante de uma pessoa sofrida e necessitada, nossa reação não pode ser outra senão a de quem reconhece, naquele rosto, um ser humano, portador de dignidade, criado à imagem de Deus, redimido por Jesus Cristo, feito nosso irmão. Esta é a “reação cristã”, sem a qual não pode haver autêntica santidade (Gaudete et exsultate, n. 98). E foi precisamente esta a reação do Beato Antonio Frederico Ozanam, que colocou à disposição dos pobres toda riqueza de dons com que o Senhor o cumulou. Uma das melhores sínteses de sua fulgurante existência talvez a encontremos neste trecho de uma carta endereçada a um de seus amigos: “Que a lei do amor seja a nossa! E, calcando aos pés o orgulho, nosso coração arderá somente para Deus, para o próximo e para a verdadeira felicidade”.