“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho”. A pedra de que fala o grande poeta de sobrevivência, ocorre o cansaço e se perde o sentido saudável e pleno da vida. Este tempo de crise convida a buscar algo que vá além da vacina que permite a sobre- vivência biológica, convida a ir a um nível mais profundo da identidade humana, do sentido da vida. Para Mahatma Gandhi, “quando há uma tempestade, os pássaros se escondem, ao contrário, as águias se animam a voar mais alto”. E este é o momento de sermos lúcidos e audazes como as águias. Para os que creem esta crise nos chama a voar alto e encontrar uma nova pedra, a pedra que os construtores rejeitaram e que se tornou a pedra angular (1Pr 2,4). Nesta pedra angular, encontramos o verdadeiro antídoto para nossas dúvidas e temores; nela podemos experimentar a presença luminosa e providente de Deus em sua voz e ação no mundo e na história.
Esta pedra-pandemia pegou-nos de surpresa, transtornou nossas vidas, tornou 2020 um ano cheio de incertezas e inseguranças; tem-nos feito experimentar em profundidade a vulnerabilidade humana e os desmandos e iniquidades da ‘ordem’ capitalista no desrespeito à dignidade humana e no irresponsável cuidado com a mãe terra, nossa casa comum; está criando um ambiente de enfermidade, isolamento, dor e medo ante a realidade e a ameaça da morte...
O filósofo Byung-Chul Han disse que o vírus reflete o tipo de sociedade em que vivemos: “Vivemos em uma sociedade da sobrevivência, que se baseia em última instância no medo da morte. Sobreviver agora se converterá em algo absoluto, como se estivéssemos em um estado de guerra permanente. Todas as forças vitais serão usadas para prolongar a vida”. Na busca da sobrevivência, a pedra- pandemia nos faz desejar ardentemente a vinda da vacina, para nos imunizar e garantir-nos a sobrevivência, no retorno à normalidade, livres desta ameaça mortífera.
Que venha logo a vacina! Será bem-vinda e necessária, mas não nos será suficiente para assimilar o duro golpe desta pedra no meio do caminho. Em regime só de sobrevivência, ocorre o cansaço e se perde o sentido saudável e pleno da vida. Este tempo de crise convida a buscar algo que vá além da vacina que permite a sobre- vivência biológica, convida a ir a um nível mais profundo da identidade humana, do sentido da vida. Para Mahatma Gandhi, “quando há uma tempestade, os pássaros se escondem, ao contrário, as águias se animam a voar mais alto”. E este é o momento de sermos lúcidos e audazes como as águias. Para os que creem esta crise nos chama a voar alto e encontrar uma nova pedra, a pedra que os construtores rejeitaram e que se tornou a pedra angular (1Pr 2,4). Nesta pedra angular, encontramos o verdadeiro antídoto para nossas dúvidas e temores; nela podemos experimentar a presença luminosa e providente de Deus em sua voz e ação no mundo e na história.
No entanto, esta pedra angular não é um antídoto mágico; também as pessoas de fé sentem medo ante a ameaça mortífera do vírus; elas são afetadas e têm que se cuidar, a fé convive com as ameaças, as perguntas e o medo. Mas a fé ilumina a escuridão, possibilita ir à raiz do medo humano, ir à raiz da condição humana e dos acontecimentos históricos, e aí desvelar o sentido pro- fundo da vida e da história. A fé em Deus revelado em Jesus, a pedra angular, permite-nos fazer novas todas as coisas, possibilita-nos descobrir a confiança em Deus como graça que nos faz sujeitos colaboradores seus, descortina-nos oportunidades e meios para a conversão, a libertação dos males e a construção de um mundo novo com vida em plenitude.
A partir do horizonte da fé, José M. Arnaiz, no editorial da Revista Testimonio, no 300/2020, fala das oportunidades que esse tempo de crise tem apresentado para a Vida Consagrada. Podemos estendê-las a todos os crentes:
- Oportunidade de sermos solidários, descobrindo, com
gestos bem concretos, a imensa vitalidade da solidariedade que nos faz ouvir os clamores dos pobres e da terra;
- Oportunidade de viver e conviver mais e melhor em comunidade, levando-nos a experimentar a força do amor generoso, da interdependência e interação da vida em comunidade e em família;
- Oportunidade de refazer nossos esquemas mentais e voltar ao essencial e ao mais importante da vida, revisando nossas rotinas, valores e compromissos e descobrindo como autênticos antivírus: a partilha, a com- paixão, o amor, o desprendimento, a generosidade, a amizade, os vínculos verdadeiros, a tolerância, a alegria...;
- Oportunidade de sermos responsáveis no cuidado com a vida, com a saúde, no agir responsável na sociedade e despertar o mundo para um modo mais fraterno e justo de ser, agir e viver;
- Oportunidade de cuidar-se e de cuidar uns dos outros, descobrindo-nos como necessita- dos uns dos outros, evitando a autorreferencialidade e cultivando uma vida em rede onde os destinos de todos nós se entrelaçam e se complementam;
- Oportunidade de sermos criativos, abrindo-nos para mudar e atender as novas exigências, desenvolvendo uma nova consciência que bate à nossas portas, reinventando nossas práticas, pois quem não muda quando tudo muda permanece no passado e se torna mudo, surdo e cego.
Voltando ao nosso poeta maior, “Nunca me esquecerei desse acontecimento / Na vida de minhas retinas tão fatigadas / Nunca me esquecerei que no meio do caminho / Tinha uma pedra”. Que venha a vacina, e esse tempo de medo e enfermidade dê lugar a um tempo novo de saúde e recuperação! Mas que esta experiência do coronavírus, tão mar-cante em nossas retinas fatigadas e em nossas vidas fortemente golpeadas, não seja esquecida, que ela nos leve a uma nova consciência e uma nova prática de vida, acolhendo as oportunidades que este tempo pre- sente nos oferece! Que não nos esqueçamos deste dolo-roso e desafiante acontecimento histórico, que a pedra da pandemia presente em nosso caminho seja processada e discernida à luz da pedra angular de nossa fé!
Que tenhamos um ano novo de muita paz, esperança e trabalho na busca responsável e esperançada de transformar esse momento árido de lagrimas, temores e desafios em terra fértil, de vida partilhada e fraterna, na abundância do amor e da justiça!