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A grandeza do serviço da caridade 01 de Março de 2024 Pe. Wander ferreira, CM
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“Não há absolutamente nada mais importante para a Igreja que a caridade. Ela é o amor e o mandamento supremo, que se concretiza em obras: se não fosse assim estariam mortas, como nos diz o Apóstolo Paulo.” (Antônio Frederico Ozanam)

Em nossa sociedade, de modo geral, a caridade, na cabeça de muitas pessoas, simplesmente se reduz a alguns gestos de ajuda e auxílio aos irmãos e irmãs carentes. E isso acontece quando damos esmolas a pedintes, cestas básicas a quem está passando fome, pagamos conta de água ou de luz para não serem cortadas, doamos material de construção para construir, terminar ou melhorar as simples residências etc. É claro que essas ações fazem parte da caridade, mas não é a caridade propriamente dita, como muitas pessoas pensam.

Então, para aprofundarmos este tema da caridade, é importante para nós, em primeiro lugar, buscarmos a sua origem, ou a sua etimologia. A palavra caridade vem da palavra latina “caritas”, que significa amor sobrenatural ou amor incondicional. E para nós cristãos, sobretudo católicos, é uma virtude que é infundida em nós pelo Espírito Santo (Rm 5,5). É relatada no mesmo pé de igualdade do amor. Não só é a primeira das virtudes, mas é de uma ordem diferente, superior (1Cor 13, 1-13). Na ordem do definitivo, as outras virtudes valem unicamente enquanto ajudam no incremento da caridade ou estão informadas por ela, já que esta configura no modo de ser do próprio Deus e nos faz participar de sua própria riqueza e felicidade, de modo semelhante como, por amor a outra pessoa, fazemos nossa a sua riqueza, sua felicidade ou sua dor.

São Vicente de Paulo, na Conferência de 1659 sobre a Caridade afirmou: “A caridade é um preceito divino que abrange vários outros. Cada qual sabe que no amor a Deus e ao próximo estão compreendidas a lei e os profetas. Tudo tende a isso. Converge tudo para esse ponto. E tem esse amor tanta força e privilégio que todo aquele que o possui cumpre as leis de Deus, porque todas se referem a esse amor, e esse amor nos leva a fazer tudo o que Deus nos pede: “Quem ama o próximo cumpriu plenamente a lei.” Ora, isso não diz respeito apenas ao amor para com Deus, mas à caridade para com o próximo por amor de Deus. Isso é tão grande que o entendimento humano não pode compreender (Lc 10,25-37). É preciso que nos esclareçam as luzes do alto para nos demonstrar a altura e a profundidade, a largura e a excelência desse amor.”

A caridade faz com que não possamos ver alguém sofrer, sem sofrer com ele; não possamos vê-lo chorar, sem chorar também. “É um ato de amor que nos faz entrar nos corações uns nos outros, e sintamos o que sentem os demais, bem diferentes que nada sentem diante da dor dos aflitos, ou do sofrimento dos pobres. Todo ser humano constitui o corpo místico da Igreja. Somos todos membros um dos outros. Jamais se ouviu dizer que um membro, nem mesmo nos animais, sejam insensíveis à dor de outro membro; uma parte do homem seja machucada, ferida ou violentada sem que as outras não sofram. Isso é impossível. Tem todos os nossos membros tanta simpatia e ligação entre si que o mal de um é o mal de outro. Com maioria de razão, os fiéis, sendo membros de um mesmo corpo e membros um dos outros, devem alimentar a compaixão recíproca. Ser cristão de verdade, ver o irmão aflito e não chorar com ele, e não sofrer com ele, é não ter caridade! É ser cristão de aparência. É não ter humildade. É ser pior que os animais” (Coste, XII, P. 275-276).

A caridade também nos faz alegrar com os que se alegram. Ela faz com que entremos nos motivos de alegria dessas pessoas. “Nosso Senhor com suas máximas teve a intenção de nos tornar perfeitos em unidade de espírito, unidade de alegria e tristeza. É desejo seu que entremos nos sentimentos um dos outros. O evangelista São João afirma que, São João Batista, falando de si mesmo e de Jesus Cristo, afirma que o amigo do Esposo se enche de alegria ao ouvir sua voz. ‘Esta minha alegria, foi portanto, realizada. É preciso que ele cresça e eu diminua’ ( Jo 3,27-30). Alegremo-nos da mesma forma, ouvindo a voz de nosso próximo que se alegra, pois representa Nosso Senhor para nós. Alegremo-nos pelos bons êxitos que lhe advêm, e porque nos excede na honra e estima do mundo, em talentos, graças e virtudes. Eis como devemos entrar em seus sentimentos de alegria” (Coste, XII, P. 276-277).

Uma importante filha da caridade, que são Vicente afirma que é fundamental para vivermos no amor é a humildade. O santo nos diz que ela, vivida no coração da caridade nos possibilita: “Prevenir-nos com os títulos de honra, porque de outro modo, parece que nos evitamos, e queremos bancar pessoas de importância, altaneiros (Soberbos, ambiciosos, buscas de altos interesses) e indiferentes uns para com os outros. Isso tranca o coração. O contrário, porém, o abre e dilata o coração. É a humildade um verdadeiro produto da caridade, que, na ocasião, nos faz cumular o próximo de respeito e honra, e por, esse meio, nos concilia sua afeição. Portanto, se entre nós pusermos em prática o respeito, praticaremos também atos de humildade que, sendo a humildade filha do amor, fomenta a união e a caridade” (Coste, XII, P. 278).

Outra filha muito importante da caridade é a justiça. Não é possível ser homens e mulheres que exercem a caridade se não lutarmos pelo cumprimento da justiça no seio da Igreja e no seio da sociedade. É um ato de nobreza. Neste quesito, São Vicente afirma: “Não há caridade que não seja acompanhada de justiça. Por isso, a caridade abre os caminhos da justiça. Deus lhe dará a graça de entender que, socorrendo os indigentes, fazemos justiça e não misericórdia. (Boissinot, P. 31). Dois séculos mais tarde, fiel ao pensamento vicentino, Frederico Ozanam declara com toda propriedade: “A justiça já supõe muito amor; pois é preciso amar muito o ser humano para respeitar seu direito que limita nosso direito e sua liberdade que incomoda a nossa. No entanto a justiça tem limites; a caridade não os tem” (Boissinot, P. 36).

Caminhando para o final desta abordagem, e sintetizando vários pensamentos do nosso texto, vamos trazer presente uma pregação de São Vicente aos seus missionários onde ele insiste para os mesmos colocarem em prática sete atos de caridade que, no seu pensar faz a diferença. São eles:

“1º Fazer aos outros o bem que razoavelmente queríamos que fizessem a nós;
2º A ninguém contradizer, e considerar tudo bem em Nosso Senhor Jesus Cristo;
3º Suportar-se mutuamente sem murmurações;
4º Chorar com os que choram;
5º Alegrar-se com os que se alegram;
6º Prevenir-se de honras;
7º Testemunhar aos outros e prestar-lhes serviço, cordialmente. Em suma, fazer-se tudo para todos, a fim de a todos ganhar para Jesus Cristo. Tudo isso se compreende quando nada exista contrário aos mandamentos de Deus ou da Igreja. (Coste, XII, P. 279)

Ao praticarmos tais atos de caridade, assumimos o lugar de Nosso Senhor, que foi o primeiro a praticá-las. Escolheu o último lugar. Escolhamo-lo igualmente. Pois Ele veio testemunhar seu amor à humanidade. Cumulou-nos de bênçãos. Previnamos assim nosso próximo com testemunhos de nossa afeição, com moderação e cortesia. E assim, praticar todos os outros atos em seu tempo e lugar, contanto que jamais sejam tais atos, diz a regra, contrários a lei de Deus. Além disso, façamos sempre e por toda parte, o bem, conforme as ocasiões que para isso tivermos, coisa que será muito frequente. E quanto mais fizermos isso no espírito de Nosso Senhor, tanto mais agradáveis seremos a seus olhos". (Coste, XII, P. 279-280).

Por fim, colocamos aqui uma reflexão muito incômoda para muitas pessoas, mas a fazemos com muita tranquilidade, e sem o desejo de ofender ninguém, mas de nos questionar com relação ao essencial de nossa fé. Infelizmente, nossa Igreja, de modo geral, vive um catolicismo muito privatizado, onde se incentiva muito a salvação pessoal, sem muito compromisso com o próximo e consequentemente, sem a vivência profunda da caridade. Hoje, é considerado bom católico aquele que está nas Missas, participa dos sacramentos, dos atos devoções e dos vários rituais. A pessoa pode ser a mais complicada na sociedade (desonesta, corrupta, mal caráter, dissimulada, hipócrita etc.), mas se contribui com o dízimo “generosamente” e cumpri todos os atos citados acima, é um católico bem visto. Aqui, o objetivo não é fazer julgamento ou juízo de valores, mas é chamar a atenção para o que realmente nos dá a tônica de Cristãos, e também dizer que, o que vai nos salvar de verdade, de acordo com o Evangelho, é a Caridade e o Amor. E isto fica bem claro no texto do Juízo Final, texto este que será lido e refletido na Solenidade de Cristo Rei desde ano de 2023 (Mt 25,31-46). Portanto, quando o Mestre se manifestar na sua glória, não vai nos perguntar: quantas vezes nós fomos ao templo para rezar ou participar dos rituais, quantas vezes contribuímos com o dízimo, quantas vezes jejuamos, quantos terços nós rezamos, quantas novenas nós rezamos ou participamos. Na verdade ele vai nos perguntar: em que tudo isso nos ajudou a viver com profundidade e intensidade a vivencia da caridade e amor. Pois nós já sabemos que os fariseus, no tempo de Jesus, eram os mais piedosos, os mais participantes dos rituais nos templo, os mais fieis no dízimo, os que mais jejuavam, no entanto Jesus os chamava de hipócritas, porque não transformavam estas ações em gestos de caridade e de amor.

Que o nosso Pai, especialista na Caridade, São Vicente de Paulo, interceda sempre por nós para sermos féis aos apelos da missão, principalmente na prática da caridade e do amor a todos os irmãos e irmãs.

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